Pra 2023-24, Reynan dos Santos e Samis Calderon já tem uma nova casa. A dupla brasileira vai aos EUA, não para um torneio escolar qualquer, mas sim, pra mais famosa liga de base do mundo: a Overtime Elite.
Restrita a jovens de 16 a 20 anos, a OTE é sediada em Atlanta, e serve de plataforma para prospectos de elite que almejam aumentar seu status rumo ao próximo nível. A organização é uma das principais rotas alternativas, para jogadores que buscam espaço no Draft da NBA, e/ou, ingressar em universidades da estadunidense do mais alto nível.
A Overtime Elite é um selo. Estar ali, é estar carimbado com destaque, é estar no holofote. Também é necessário entender, que com caráter de um projeto midiático, a OTE é uma liga que tem como foco viralizar e construir estrelas. Assim, Reynan e Samis são marcados por essa escolha, ao mesmo tempo, a Overtime espera que eles marquem o máximo de fãs possíveis.
Mas porque escolher esse caminho?
Antes disso, é importante entender o itinerário de Rey e Samis antes da ida aos EUA.
Por Franca, Reynan era dono das categorias de base, e peça de rotação no adulto. Em suma, um peão destacado por uma promessa de chegar ao fim do tabuleiro. Há quem acreditasse nessa possibilidade: a coroação ainda na Capital do Basquete. Eu aposto que viria, mas atrasada e às custas de anos e ajustes pra beneficiar àquele que sempre foi o protagonista nessa história: o SESI Franca.
Samis, por sua vez, dava passos de fé na filial latino-americana da NBA Academy. Lá, ele tinha moral volátil, mesmo com brilho certo nas pupilas dos olheiros. Pra mim, o modus operandi da academia assemelha o de um circo. Atrações das mais diversas, que individualmente seriam ignoradas, e que pela exposição de uma somada a outra, ganham sentido no palco. Samis é muito mais que isso, assim como Edu Klafke e outros brasileiros que ali foram colocados na mesma gaveta.
Pra explicar a escolha, e pq gosto dela, separei minha tese em quatro partes:
Aparecer no radar (Relevância midiática)
Lugar certo, na hora certa (Competição e Financeiro)
Adaptação adiantada (Tático e Mental)
Por menos coletivos (Técnico)
Vamos lá.
1) Prum brasileiro que sonha com NBA, o mais difícil, é ter seu nome citado, com os esperados erros de pronúncia, em rodas de conversas de língua inglesa.
Ser um atleta internacional, capaz de superar as barreiras do preconceito e pintar de verde-amarelo a liga azul e vermelha.
Poético!
Traduzindo pra realidade, Reynan e Samis precisam existir; estar em pauta; serem a pauta.
Que tal jogar por uma equipe que tem a 4ª maior página de um time de basquete não-NBA no mundo? Ou fazer parte do projeto esportivo de um conglomerado que tem 25 milhões de seguidores no Tik Tok; 8 milhões no Instagram; e mais de 1 bilhão de visualizações no Youtube? Aliás, o Tik Tok da Overtime tem 5 milhões de seguidores e 1 bilhão e 500 milhões de curtidas a mais que a NBA. Sem contar que só 30 atletas dividem essa atenção, de um fluxo de 41 milhões de visualizações por mês só no próprio canal da Overtime Elite.
Com a ida pra lá, a dupla se torna mais do que “conhecidos” no mundo da bola laranja, eles se tornam estrelas do universo digital, capazes de conquistar espaços de idolatria, e magnéticos às retinas dos especialistas que agora falam seus nomes com dicção anglo-saxônica.
2) Já falei sobre isso, mas o pré-OTE dos brasileiros não era certeza de nada. Agora, e com difusão da imprensa, nossos protagonistas se tornam novos ricos que fazem parte de uma liga certeira em exportar seus atletas.
Não sei se essa cifra muda pra 2023-24, mas o histórico é de que o chão salarial por temporada da OTE é de 100.000 dólares, cerca de 490.000 reais, pros seus astros. Em comparação, isso dá quase 300.000 reais de diferença do pagamento médio da G-League, sem contar com bônus contratuais e outros mimos em escolher a Overtime Elite.
Fala-se pouco disso, mas a segurança financeira deve sim ser tratada como prioridade pra jovens que tem a possibilidade, mas nunca a certeza, de garantir uma condição ímpar para os seus. É um incentivo gigantesco!
Sobre a competição na liga, fiz uma tabela com os principais métodos de surgir no Draft da NBA, e sua relevância quando atingido protagonismo. Atenção, essa ordem só faz sentido quando se entende a última frase. Com protagonismo integral, os meus melhores caminhos em hierarquia:
Euroleague ou profissional de alto nível
NCAA High-Majors
G-League Ignite
OTE e NBL (programa Next Star)
Ligas nacionais periféricas
NCAA Low-Major
Explico brevemente essa ordem com nomes: Wemby; Brandon Miller; Scoot; os Thompsons; Jarace Walker e nenhum das últimas duas posições.
O Draft de 2023 é minha contra-prova.
No pós-OTE, 22% dos seus atletas vão pra NBA; 18% pra High-Majors e mais 18% pra Mid-Majors; 13% pra G-League ou Summer League; 9% pro G-League Ignite e outros 9% pra ligas periféricas; e 4% pra Europa.
Em sua maioria, os formandos da Overtime Elite ascendem, mesmo com um basquete individualizado e com aspectos canibais, somados à teoria de que o torneio não se passa de um rachão megalomaníaco sem qualquer estímulo esportivo.
3) Nego ferozmente essa ideia. A OTE nada mais é que um reflexo do basquete estadunidense como um todo: individual, canibal e megalomaníaco. Você pode não gostar, mas tem que entender: quem tá na chuva tem que se molhar!
No caso, Reynan e Samis.
Se eles querem um dia estar na melhor liga do mundo, passar pela mais famosa no que compete à base, é um tremendo ponto de destaque no currículo, afinal, a pressão diária misturada ao estilo de jogo egocêntrico e com pitadas de saudade de feijoada, certamente é um teste enorme. Se superado, o caminho pela frente se materializa com muito mais naturalidade.
Reitero, a OTE não é ruim tecnicamente. Amen Thompson; Ausar Thompson; Alexandre Sarr; Dominick Barlow; Izan Almansa; Jean Montero e Robert Dillingham, são só alguns dos motivos de eu acreditar nisso. Não acho loucura imaginar que Reynan e Samis serão os próximos nessa lista.
4) Por fim e por menos coletivos, não ouvi o bastante essa linha de raciocínio: a superação nas dinâmicas de treino geral, por regimes individualizados. Simplificando, menos rachões e mais treinos de habilidades.
Nos EUA, o desenvolvimento do atleta passa por camadas mais densas de aprimoramento específico à suas deficiências e sobras. Se preenchem lacunas e reforçam colunas.
Tintin por tintin, Reynan tem arremesso mediano; pouca criatividade ofensiva e um lado mais forte que o outro. Samis é inconstante e sofre de problemas de fluidez em seu jogo. Isso não fui eu quem disse, foi a NBADraft.net ao avaliar a dupla como destaque, mas não tanto, da Copa do Mundo Sub-19.
Horas antes do Draft, a mesma NBADraft.net colocava Amen e Ausar Thompson como os 6º e 8º melhores prospectos da classe de 2023 respectivamente. Pra isso, se apoiava na narrativa pré-Overtime Elite de que os irmãos não teriam um arremesso confiável, e isso afetaria todo o resto em quadra. 23 dias depois, e a Sports Illustrated refutava: “Amen E Ausar Thompson se provaram na Summer League”. Ah… Além disso, os dois ex-OTE foram as picks 4 e 5 no dia das escolhas.
Dá pra dizer que o tempo em Atlanta serviu de alguma coisa.
Sou crente num mundo mais colorido pros brasileiros após a temporada gringa.
Pra finalizar, apresento minhas expectativas; chutes e sonhos.
Acho difícil que não vejamos, pelo menos um dos dois, declarando pro Draft de 2024. Mais improvável ainda, é se deparar com uma queda na produção ou no prestígio perante os peritos. Pela sede de Reynan, e pela bagagem de Samis, acho quase impossível esses cenários.
No melhor dos olhares, os dois pulam no trampolim que é a OTE, e sobem pra NBA.
No mais realista dos pontos de vistas, cada um vive um panorama singular.
Ouvi dizer que pro Reynan, esse movimento é o mais importante pra determinar seu teto como prospecto de NBA. No Brasil, uma temporada incrível por Franca não seria mais certeira pra agentes estadunidenses do que sucesso na Overtime Elite. É ali que mora o atalho de Reynan pra NBA. Não o vejo almejando NCAA ou G-League Ignite… Imagino que seja mais uma corrida de 100m do que uma maratona. Com sua explosão, Rey corre o percurso certo.
Pro Samis, o flerte com a NBA existe. Porém, sem ela, o ala tem tudo que a G-League Ignite aprova em um prospecto, e imagino que esse cenário seja o mais realista em caso de saída da OTE após uma única temporada. Mesmo com elegibilidade para NCAA, e sobre essa possibilidade, Samis já conta com ofertas dos melhores programas, e pode sim pintar no basquete universitário em 24-25. Apostaria nessa ida como seu plano C.
Pra mim, mais arriscado que ir pra Atlanta jogar um torneio escolar, é ficar em casa esperando que venham te ver jogar. Gosto da ousadia quase tanto quanto das chances de isso dar certo. Muito grandes!
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